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A Mente em Cativeiro: Como a Imprensa Bandida Vende Dor como Entretenimento

Publicada em: 26/11/2025 08:52 -

 

Dourados-MS, 26 de novembro de 2025 – Às 6h47 desta quarta-feira, enquanto o sol ainda sangrava no horizonte, uma menina de 8 anos assistiu ao noticiário ao lado do pai. Em 42 segundos, ela viu três assassinatos, um estupro coletivo e a entrevista de um serial killer sorrindo para a câmera. “Por que ele está feliz, pai?” A resposta foi o silêncio abafado do controle remoto. Ninguém ouviu o estalo: foi o som de uma infância sendo sequestrada por quem deveria protegê-la.  

Mas esta não é a história da menina. É a nossa.  

Há décadas, a imprensa transformou o medo em moeda. A lógica é cruelmente simples: quanto mais pânico, mais cliques. Quanto mais ódio, mais tempo de tela. Quantas mais lágrimas, mais anúncios de shampoo. O algoritmo não distingue entre o sangue de uma guerra e o de um acidente de trânsito — ambos são métricas. O negócio é vender adrenalina disfarçada de informação.  

O Jornalismo que Se Alimenta de Você  

Em 2019, pesquisadores da Universidade de Stanford descobriram que notícias negativas são 2,5 vezes mais compartilhadas que positivas. Mas não é o público o culpado — é o produto. Redações inteiras foram reestruturadas para fabricar “pílulas de horror” com validade de 24 horas. O editor-chefe de um grande portal brasileiro (que prefere não ser identificado) confessou: “Nossa pauta é decidida pelo que mais deixa as pessoas com raiva. Raiva é engajamento puro.”  

É assim que nascem manchetes como “ESTUPRADOR IMPUNE: VOCÊ PODE SER O PRÓXIMO” ou “MÃE DECAPITA FILHO E JOGA CABEÇA NO LIXO — FOTOS FORTES”. O corpo da vítima virou teaser. O luto da família, trailer. A imprensa que deveria investigar o sistema que gera violência prefere esfregar o rosto do leitor na violência como quem mostra um filme de terror — mas sem o aviso de “baseado em fatos reais”.  

A Irresponsabilidade Como Modelo de Negócio  

O jornalismo bandido não erra por ignorância. Erra por lucro.  

Em 2022, o caso da menina Isabella Nardoni foi ressuscitado por um programa de TV que exibiu fotos inéditas do corpo da criança. A justificativa? “O público tem o direito de saber.” Mas saber o quê? A curva do estrangulamento? A cor do último suspiro? Quando questionado, o diretor respondeu: “Foi o episódio mais visto do ano.” A menina foi assassinada duas vezes: uma pelas mãos do pai, outra pelas lentes que a transformaram em audiência.  

Esse modelo cria uma geração de espectadores viciados em catástrofe. Estudos do Instituto de Psiquiatria da USP mostram que o consumo excessivo de notícias negativas eleva em 73% os níveis de cortisol (hormônio do estresse), levando à “síndrome do mundo prestes a acabar” — uma paralisia crônica onde o cidadão, bombardeado por horrores, desiste de agir. É o efeito pretendido: um povo ansioso não questiona. Apenas consome.  

A Seleção Mental como Ato de Rebeldia  

Mas há uma saída. E ela começa com um gesto tão radical quanto silencioso: desligar.  

Não se trata de ignorância. Trata-se de soberania.  

Quando você escolhe não clicar na manchete que promete “O VÍDEO MAIS CHOCANTE DO ANO”, você está impedindo que um algoritmo venda sua dopamina para uma marca de sapatos. Quando decide ler uma reportagem sobre a cientista negra que criou a cura para uma doença rara, em vez do “play by play” de um assassinato, você está financiando outro tipo de jornalismo — um que não precise de sangue para sobreviver.  

A verdade é dura: a imprensa bandida só existe porque temos fome de bandidos.  

O Jornalismo que Nasce sem Lágrimas  

Há exceções. E elas são tão revolucionárias quanto invisíveis.  

O site Soluções de Reportagem só publica histórias sobre iniciativas que resolveram problemas sociais. A revista Amanhã vende mais exemplares cobrindo cooperativas de catadores do que cobrindo tiroteios. O jornal Folha de S. Paulo criou o selo “Reportagem sem Lágrimas” — se uma matéria precisar de sangue para ser relevante, ela é descartada.  

Mas esses veículos não precisam de pena. Precisam de assinaturas.  

O Futuro é o que Você Não Clica  

Às 7h13 daquela mesma terça-feira, a menina de 8 anos voltou à sala. O pai, agora, lia em voz alta uma reportagem sobre um grupo de adolescentes que transformou um lixão em horta comunitária. Ela riu ao ver a foto de uma abóbora com um lacinho. “Pai, dá pra a gente plantar uma?”  

No dia seguinte, compraram sementes.  

A imprensa bandida continuará existindo enquanto houver quem alimente o monstro. Mas cada clique negado é um voto. Cada manchete ignorada, um boicote. Cada história de esperança escolhida, um atentado contra o sistema do medo.  

O jornalismo não é o que acontece. É o que você decide que vale a pena acontecer.  

E, neste exato momento, você está decidindo.

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