Reinaldo de Mattos Corrêa*
Introdução
A Teologia do Domínio, ou dominionismo, surge no Brasil como um projeto messiânico de conquista da nação para Cristo. Sob o rótulo de Plano de Poder — cunhado por Edir Macedo em 2008 —, promete restaurar uma suposta identidade cristã perdida. O que seus adeptos ocultam é sua natureza essencial: uma importação colonial estadunidense, enraizada no reconstrucionismo calvinista dos anos 1970, para substituir a democracia por um Estado teocrático. Seu lema — dominai sobre a terra — é uma deturpação de Gênesis 1:28, convertida em justificativa para controle político. Diante dessa farsa, impõe-se uma pergunta que desmonta sua lógica:
Se o domínio bíblico proposto pelo dominionismo exige a imposição de uma lei teonômica estrangeira — gestada no reconstrucionismo calvinista dos EUA e implantada no Brasil como Plano de Poder —, como essa submissão colonial a um projeto imperial não configura, ela própria, a antítese do verdadeiro domínio hebraico, radah e kabash, que exige cuidado com a terra e rejeita a idolatria do Estado?
1. Gênese Colonial: Um Projeto Imperial sob Roupagem Sagrada
O dominionismo não é fenômeno orgânico brasileiro. Foi gestado por ideólogos como R.J. Rushdoony e Gary North, nos EUA, que defendiam a submissão do Estado à lei bíblica. North, economista da Escola Austríaca, estruturou-o em duas fases:
- Fase 1 — expandir fiéis sob a liberdade religiosa;
- Fase 2 — usar o poder numérico para impor a teonomia, o governo divino.
No Brasil, essa agenda foi adotada por neopentecostais como a Igreja Universal e a Lagoinha. Em Plano de Poder, de 2008, Macedo descreve Deus como estadista e os cristãos como agentes de amadurecimento político — copiando o manual imperial de North.
2. Caráter Colonial: O Cavalo de Troia Teológico
A implantação dominionista no Brasil segue uma lógica imperial:
- Adaptação Discursiva — o nacionalismo cristão estadunidense foi reciclado como conquista da nação tupiniquim;
- Infraestrutura Transnacional — pastores como John Hagee, fundador do Christians United for Israel, ligaram Bolsonaro ao lobby sionista cristão, pressionando políticas como a mudança da embaixada para Jerusalém;
- Doutrinação Local — entidades como a Jocum promovem cursos como Marxismo Cultural vs. Cultura Judaico-Cristã, doutrinando jovens para um governo de liberdade que, na prática, aniquila liberdades.
3. Refutação Teológica: A Bíblia Contra os Dominionistas
O dominionismo deturpa a Bíblia para justificar seu projeto. Sua leitura de Gênesis 1:28 ignora:
A língua original:
- Kabash, subjugar, significa cultivar com cuidado, não oprimir;
- Radah, dominar, refere-se a um governo que espelha o cuidado divino, como em Salmo 72:12-14;
O contexto da criação:
Imagem e semelhança de Deus, em Gênesis 1:26, designa o humano como representante do Criador, não dominador. Gênesis 2:15 confirma: a missão é lavrar e guardar — abad e shamar;
A tradição profética:
Textos como Sabedoria 1:24-26 mostram Deus como apaixonado amante da vida, rejeitando violência.
Conclusão teológica: o dominionismo corrompe a Bíblia ao convertê-la em manual de poder. E aqui jaz sua contradição fatal: como pode um movimento que alega restaurar o domínio bíblico submeter-se a um projeto colonial estrangeiro — negando assim o próprio radah, governo cuidadoso, e kabash, cultivo, que diz defender?
4. Refutação Política: A Distopia Teonomista
O projeto é incompatível com a democracia:
- Ruptura Constitucional — declarações como as de Michelle Bolsonaro — equívoco separar religião e política — e Jair Bolsonaro — O Estado é cristão; minorias que se curvem — violam o Artigo 5º da Constituição;
- Projeto Teocrático — André Valadão, da Igreja da Lagoinha, defende violência contra LGBT+ sob o disfarce de resolver o problema;
- Estratégia Totalitária — visa substituir a democracia por uma distopia onde leis civis são anuladas por leis bíblicas importadas.
5. Resistência: Por um Cristianismo Anticolonial
A resposta exige:
Desmontar a Importação Ideológica — valorizar vertentes cristãs brasileiras como a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base;
Valorizar a Matriz Plural — o Brasil é feito de sincretismos afro-brasileiros, indígenas, católicos. Projetos como Racialized Frontiers, da Universidade de Princeton, revelam que nossa história é resistência à dominação — antídoto ao sonho dominionista de homogeneização;
Fortalecer a Laicidade — garantia de que todas as fés coexistam sem privilégios.
Conclusão: Domínio que Liberta vs. Domínio que Escraviza
A Teologia do Domínio é um cavalo de Troia colonial: usa a linguagem da fé para impor um projeto de poder totalitário, alienígena à Bíblia e ao Brasil. Sua derrota exige:
1. Desmascarar sua origem imperial — os EUA;
2. Ressignificar o domínio como cuidado — conforme Gênesis 2:15.
Um cristianismo que oprime em nome de Deus não é cristianismo: é idolatria do poder. A verdadeira fé liberta — e a libertação começa quando devolvemos a Bíblia às mãos dos oprimidos.
* Produtor Rural em Mato Grosso do Sul.