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A Encenação do Eu: Sobre a Fabricação de Impostores em Sociedades de Repetição

Publicada em: 18/05/2025 09:50 - Famosos

A vida em sociedade assemelha-se a um teatro onde todos representam, mas ninguém escreveu o próprio roteiro. As instituições sociais — da educação formal às religiões, do mercado de trabalho aos sistemas políticos — não são templos de emancipação, mas oficinas de mimes. O propósito oculto não é cultivar indivíduos autônomos, capazes de pensar e agir a partir de uma consciência íntegra, mas produzir réplicas funcionais: seres que internalizam códigos alheios como se fossem verdades próprias. O resultado? Uma civilização de impostores, onde a originalidade é um risco e a autenticidade, uma heresia. 

A Educação como Linha de Montagem Cognitiva

A escola, supostamente um farol de sabedoria, transformou-se em uma fábrica de simulacros. Desde a infância, somos treinados a decorar respostas certas em vez de explorar perguntas incômodas. O currículo não é um convite à descoberta, mas um manual de obediência: fórmulas matemáticas, datas históricas, regras gramaticais — tudo deve ser engolido sem mastigação crítica. O aluno exemplar não é aquele que questiona, mas o que repete. A criatividade, quando tolerada, é enjaulada em rubricas de avaliação. Ao final do processo, diplomas certificam não a capacidade de pensar, mas a habilidade de reproduzir. 

Religião: A Ditadura do Dogma 

As instituições religiosas, na maioria, não nutrem a busca espiritual — sufocam-na. Em vez de encorajar a experiência mística individual, oferecem pacotes prontos de significado: ritos, mandamentos, narrativas sobre o sagrado que devem ser aceitas sem exame. A fé transforma-se em adesão a protocolos, e a transcendência, em conformidade a regras. O fiel ideal não é um peregrino de questões, mas um executor de gestos vazios, que troca a autenticidade do diálogo com o divino pela segurança de pertencer a um rebanho. 

Mercado de Trabalho: A Escravidão por Consenso 

No mundo corporativo, a palavra-chave é adequação. Funcionários são moldados para vestir personagens profissionais: sorrisos calculados, linguagem padronizada, ambições alinhadas aos KPIs da empresa. A genialidade disruptiva é um perigo; o colaborador ideal é aquele que internaliza a cultura organizacional como um software, executando tarefas sem contaminá-las com singularidade. O preço? Uma esquizofrenia existencial: quanto mais eficaz o profissional, mais ele se distancia de si mesmo, trocando aspirações por metas importadas. 

Política: O Culto à Tribo

Os sistemas políticos não fogem à lógica. Partidos e movimentos sociais, mesmo os que se autoproclamam revolucionários, exigem adesão incondicional a ideologias pré-embaladas. O debate transforma-se em torcida organizada: você não pensa, replica. O dissenso é tratado como traição, e a complexidade dos temas, reduzida a slogans. O cidadão engajado torna-se um porta-voz de discursos alheios, um ator que representa o papel de "revolucionário" ou "conservador" conforme o script da tribo. 

Por Que Nenhuma Instituição é Confiável?

A resposta é simples: todas priorizam a autorreprodução sobre a emancipação humana. Escolas existem para perpetuar sistemas de conhecimento estabelecidos; religiões, para manter hierarquias espirituais; empresas, para expandir lucros; governos, para conservar estruturas de poder. Nenhuma tem interesse em indivíduos que pensem por si — seres autônomos são imprevisíveis, difíceis de controlar. Daí a ênfase na memorização, na repetição, na punição sutil àqueles que ousam desviar. 

A Saída: A Arte de Desaprender 

Rompemos a matrix institucional não por meio da revolta cega, mas da coragem de duvidar até das próprias dúvidas e assumir de vez o fato de que sem o processo contínuo de autoconhecimento a existência é inútil. É preciso desaprender a necessidade de validação externa, desconstruir as máscaras que vestimos por hábito e redescobrir o pensamento selvagem — aquele que não pede licença para existir. Autenticidade não se ensina; resgata-se. Enquanto as instituições fabricam impostores, cabe a cada um de nós encenar a única peça digna de ser vivida: a própria verdade, ainda que inacabada e imperfeita. 

No fim, a maior rebelião não é gritar contra o sistema, mas calar-se o suficiente para escutar a própria voz sob o ruído do mundo.

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