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O Espelho de Sofia

Publicada em: 05/04/2025 07:27 - Famosos

5 de abril, 7h30. São Paulo, bairro da Liberdade. Clara, 38 anos, mãe de Sofia, 9, prepara o café da manhã enquanto revisa mentalmente o roteiro do "Dia do Filho": presente surpresa, foto para o Instagram, jantar em família. Mas algo a inquieta. Ela sente que a data, mais uma vez, será um ritual vazio, como os que sua mãe cumpria com ela — flores artificiais em um vaso de concreto.

Enquanto despeja o leite, Sofia entra na cozinha, de cabelo desalinhado, segurando um desenho. 

— Mãe, hoje é nosso dia, né? — pergunta, mostrando uma figura de duas mulheres sob um sol torto. — A professora disse que é para celebrar a "alegria de ser filho". Mas... o que é ser filho? 

A pergunta ecoa como um sino na memória de Clara. Ela se vê aos 9 anos, ouvindo da própria mãe: "Filho é obrigação cumprida. Respeito acima de tudo."

No carro, a caminho da escola, Sofia insiste: 

— Você nunca me conta como era quando tinha minha idade. 

Clara trava. Suas lembranças são de silêncios: jantares onde só se ouvia o tilintar dos talheres, festas de aniversário com presentes nunca escolhidos por ela. Gaiarsa, cujos livros Clara descobrira na crise de seu divórcio, sussurra na mente: "A criança não é um projeto dos pais. É um espelho quebrado onde ambos se redescobrem."

Às 15h, no parque Ibirapuera, onde fora combinado o "piquenique perfeito", Sofia derruba o suco na toalha imaculada. Clara se prepara para repreendê-la — até ver nos olhos da menina o mesmo pânico que ela mesma teve ao quebrar o vaso da avó, aos 7 anos. 

— Sabe, Sofia? — diz, limpando o líquido com a manga. — Quando eu era pequena, achava que ser filha era como ser uma boneca de porcelana. Mas você... você é de vento. E vento não cabe em caixinhas de presente. 

Ao anoitecer, abandonam o roteiro. Comem pizza de colher, dançam funk no salão, e Clara conta pela primeira vez como chorou escondido no banheiro no Dia do Filho, em 1993. Sofia ri: 

— Você era meio dramática, hein, mãe? 

E Clara entende: celebrar um filho não é enaltecer a hierarquia do sangue, mas dissolvê-la. Como já dizia o Psicanalista Gaiarsa ensinara: "Parentalidade que liberta é a que admite os fracassos e se faz curiosa — não dona — da vida que gerou." 

À meia-noite, Sofia dorme abraçada ao desenho da manhã. Clara posta uma foto... das mãos das duas, sujas de guache. A legenda: "Dia do Filho: quando percebemos que quem precisa nascer de novo somos nós, os pais."

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