Reinaldo de Mattos Corrêa*
No divã da nação, onde o Brasil se deita para confrontar fantasmas, as crenças da direita emergem não como dogmas frios, mas como ecos pulsantes do inconsciente coletivo. Elas são, em essência, defesas contra o caos primordial – o Real lacaniano que ameaça dissolver as estruturas simbólicas da ordem social. Aqui, não busco demolir essas crenças com martelos ideológicos, mas iluminá-las com a lanterna da análise, revelando as raízes em desejos reprimidos, medos arcaicos e ilusões necessárias para a coesão psíquica. Apresento algumas das principais crenças da direita brasileira, não para refutá-las como falácias lógicas, mas para desvelar as funções psíquicas e convidar a um diálogo interno que transcenda polarizações. Afinal, enfraquecer um lado é apenas transferir a sombra para o outro; a verdadeira cura reside na integração.
1. A crença no liberalismo econômico absoluto como salvação nacional.
Muitos na direita brasileira defendem o livre mercado irrestrito, privatizações radicais e a redução do Estado como o caminho para a prosperidade, ecoando figuras como Paulo Guedes ou o legado de Bolsonaro. Psicanaliticamente, isso é uma sublimação do desejo edípico por um pai autoritário – o Mercado como o Grande Outro lacaniano, que impõe regras impessoais e pune os "fracos". É uma defesa contra o trauma da dependência materna (o Estado provedor), projetando no Capitalismo uma ilusão de autonomia. Mas, ao refutar isso, pergunto: não seria essa crença uma negação do Real econômico brasileiro, marcado por desigualdades herdadas do colonialismo? Estudos históricos revelam que o neoliberalismo, em contextos como o nosso, amplifica o abismo social, fomentando não liberdade, mas uma neurose coletiva de precariedade. Integrar isso significa reconhecer que o mercado, como o ego, precisa de limites para não devorar o self – talvez um equilíbrio keynesiano, onde o Estado atue como superego moderador, promovendo crescimento inclusivo sem o fetiche da desregulação.
2. O patriotismo nacionalista como blindagem contra a globalização.
A direita frequentemente invoca um Brasil "soberano", com hinos à bandeira, críticas ao globalismo e defesa de fronteiras rígidas, como visto em discursos sobre a Amazônia ou imigração. Isso é uma regressão ao estágio narcísico, onde a nação é o espelho idealizado, refletindo um ego inflado para mascarar o complexo de inferioridade pós-colonial. Freud diria que é uma formação reativa contra o medo da castração simbólica – a perda de identidade perante o Outro global. Refutando psicanaliticamente, vemos que esse nacionalismo isola o sujeito, criando paranóia coletiva, como em surtos de xenofobia. A realidade brasileira, tecida por miscigenações culturais, sugere que a verdadeira soberania surge da hibridização: abraçar o global como extensão do self, fomentando alianças ecológicas e econômicas que enriquecem sem diluir. Enfraquecer essa crença não é trair a pátria, mas libertá-la do casulo narcísico, permitindo um patriotismo maduro, dialógico.
3. A defesa intransigente dos valores tradicionais e da família nuclear.
Com raízes no conservadorismo moral, essa crença combate o "progressismo" em temas como gênero, sexualidade e educação, posicionando a família heteronormativa como bastião contra a "decadência". Lacan veria aí o apego ao Nome-do-Pai, o significante que estrutura o desejo, resistindo ao gozo disruptivo do outro (feminismo, LGBTQI+). É uma compulsão à repetição, revivendo traumas patriarcais para evitar o vazio do Real. Mas, ao analisar, refutamos a rigidez: dados psicológicos mostram que famílias diversas fomentam resiliência emocional, reduzindo taxas de depressão e suicídio em jovens. O Brasil, com o sincretismo cultural, prospera na fluidez – refutar não é destruir valores, mas expandi-los, integrando tradição com empatia, como em políticas educacionais que ensinam respeito mútuo, curando a cisão entre o ego ideal e o ideal do ego.
4. A narrativa de que a corrupção é exclusividade da esquerda e que a direita representa a honestidade.
Propagada em escândalos como o Mensalão versus Lava Jato, essa crença projeta a sombra junguiana – o mal no outro, purificando o self. Psicanaliticamente, é uma clivagem maniqueísta, defendendo contra a ambivalência inerente ao poder. Refutando, observamos que corrupção transcende ideologias: investigações recentes expõem desvios em governos de direita, como no bolsonarismo. A verdade psíquica é que o poder corrompe o id de todos; enfraquecer essa crença significa abraçar transparência institucional, como reformas eleitorais apartidárias, integrando a sombra para uma democracia madura.
5. O apoio ao armamentismo e à segurança punitiva como resposta à violência.
A direita defende o armamento civil e penas mais duras, vendo nisso uma restauração da ordem. Isso é uma identificação com o agressor, canalizando pulsões tanáticas para uma ilusão de controle. Freud alertaria para o risco de um descarregamento impulsivo coletivo. Refutando, evidências globais mostram que sociedades com controle de armas (como Austrália) reduzem homicídios, enquanto o punitivismo perpetua ciclos de trauma. A cura psíquica viria de investimentos em educação e saúde mental, transformando medo em vínculo social.
Aqui está uma nova conclusão, mantendo o tom psicanalítico, sem inocentar a direita e convidando à superação gradual dessas crenças — mas sem transformar o texto em um panfleto, e sim numa análise simbólica coerente com o resto do ensaio:
Se essas crenças aparecem como formações defensivas do imaginário da direita brasileira, não cabe anestesiá-las com desculpas nem tratá-las como inevitáveis. O inconsciente político não é destino; é matéria plástica. Reconhecer as funções psíquicas dessas crenças não significa absolver os efeitos concretos no tecido social. Pelo contrário: compreender os mecanismos é o primeiro passo para desfazê-los cuidadosamente, como quem desamarra um nó que se formou por medo, ressentimento e idealizações infantis.
A superação não ocorre por ruptura violenta — que apenas reforça defesas e produz novos sintomas —, mas por processo gradativo de elaboração, no qual o sujeito coletivo é convidado a confrontar os próprios fantasmas. Isso implica assumir que a direita brasileira, tal como qualquer corrente ideológica, carrega sombras que não podem mais ser projetadas no outro: autoritarismos latentes, fantasias de pureza moral, fetiches de força e discursos de salvação que empobrecem a imaginação democrática.
Superar essas crenças significa esvaziá-las do fascínio inconsciente, oferecendo alternativas simbólicas mais maduras: um patriotismo que dispense inimigos, uma ética pública que não dependa de heróis, uma economia que reconheça vulnerabilidades, uma noção de ordem que prescinda da violência. Não se trata de silenciar a direita, mas de ajudá-la — e ao País — a passar da atuação impulsiva para a elaboração, trocando a defesa pela reflexão.
No espelho nacional, enxergamos que o Brasil não cura as fraturas ao negar a sombra, mas ao integrá-la. A travessia exige que a direita abandone gradualmente crenças que a aprisionam em círculos de medo e repetição, e que se abra a novas formas de vínculo social. A Psicanálise nos lembra: a liberdade só nasce quando o sujeito reconhece que as próprias certezas eram máscaras. Retirá-las é doloroso, mas é o que permite finalmente respirar.
* Produtor Rural em Mato Grosso do Sul.
