O sol de 20 de novembro, em cada ano, ascende no céu brasileiro com a força de uma data emblemática: o Dia da Consciência Negra. Um feriado nacional, aclamado por muitos como um marco de celebração da cultura afro-brasileira e um lembrete da luta contra o racismo. No entanto, como um antropólogo que se dedica a escavar as profundezas da experiência humana, não posso deixar de sentir um nó na garganta diante dessa efeméride. Celebrar a consciência, sem a ação concreta para transformar a realidade, é como erguer um monumento sobre a areia movediça da desigualdade.
A data, em si, é de suma importância. Recordar Zumbi dos Palmares, líder da resistência negra, é um ato de coragem e reconhecimento da nossa história. Mas, e se essa memória se tornar um véu que encobre a urgência de resolver o abismo socioeconômico que separa negros e brancos no Brasil? A pergunta pulsa em meus estudos, em minhas andanças pelas comunidades, nos diálogos com as pessoas.
O Brasil das Cores Desiguais:
Dados do IBGE e de outras instituições de pesquisa revelam, ano após ano, a persistência de um cenário desolador. Negros e pardos, que constituem a maioria da população brasileira, ainda enfrentam maiores taxas de pobreza, desemprego, violência e menor acesso à educação e à saúde. Essa realidade não é fruto do acaso, mas sim de um sistema estruturado que, por meio do racismo, perpetua a exclusão e a marginalização.
A questão central, portanto, não reside apenas em comemorar a data, mas em questionar: o que estamos fazendo para mudar esse quadro? A resposta, infelizmente, é decepcionante.
Políticas Públicas: A Urgência da Ação:
O Dia da Consciência Negra deve ser um chamado à ação, um gatilho para a implementação de políticas públicas que combatam, de forma efetiva, o racismo estrutural. O que vemos, porém, é uma profusão de discursos vazios, enquanto as estruturas de poder permanecem intactas.
Em Nível Federal, a lista de pendências é extensa:
Ampliação e Fortalecimento das Cotas: as cotas raciais em universidades e concursos públicos são ferramentas importantes, mas precisam ser aprimoradas e expandidas para abranger outros setores, como o mercado de trabalho privado. É preciso monitorar a eficácia dessas políticas, garantindo que elas não se tornem alvo de fraudes e que realmente promovam a ascensão social dos negros.
Investimento em Educação: a educação é a chave para a transformação social. É urgente investir em escolas de qualidade, com currículos que valorizem a história e a cultura afro-brasileira, combatendo o racismo nas salas de aula e preparando os jovens para enfrentar os desafios do mundo.
Pelo fim da Violência Policial: a violência policial, que vitima, em sua maioria, jovens negros, é uma chaga que precisa ser erradicada. É preciso fortalecer as políticas de controle e responsabilização das forças de segurança, garantindo que os agentes ajam com profissionalismo e respeito aos direitos humanos.
Fomento ao Empreendedorismo Negro: o apoio ao empreendedorismo negro, por meio de linhas de crédito, programas de capacitação e incentivos fiscais, é fundamental para impulsionar a economia e promover a autonomia financeira da população negra.
Criação de um Sistema Nacional de Combate ao Racismo: é imprescindível criar um sistema nacional que coordene as ações de combate ao racismo em todas as esferas da sociedade, integrando os esforços do governo federal, estados, municípios e sociedade civil.
Nos Estados, a necessidade de atuação é igualmente premente:
Implementação de Planos Estaduais de Promoção da Igualdade Racial: elaborar e implementar planos estaduais que estabeleçam metas e ações concretas para combater o racismo e promover a igualdade racial em cada estado.
Fortalecimento das Delegacias de Combate à Discriminação: as delegacias especializadas no combate à discriminação racial precisam ser fortalecidas, com mais recursos e pessoal qualificado para investigar e punir os crimes de racismo.
Promoção da Saúde da População Negra: investir em programas de saúde que atendam às necessidades específicas da população negra, como o combate à anemia falciforme e outras doenças prevalentes nesse grupo.
Nos Municípios, a proximidade com a população torna a ação ainda mais crucial:
Implementação de Planos Municipais de Promoção da Igualdade Racial: elaborar e implementar planos municipais que estabeleçam metas e ações concretas para combater o racismo e promover a igualdade racial em cada município.
Criação de Conselhos Municipais de Promoção da Igualdade Racial: criar e fortalecer os conselhos municipais, que garantem a participação da sociedade civil na formulação e implementação de políticas públicas.
Pelo fim do Racismo nas Escolas Municipais: implementar programas de educação antirracista nas escolas municipais, com o objetivo de conscientizar as crianças e os adolescentes sobre a importância da igualdade racial.
A Revolução Começa em Nós:
A superação do racismo não é apenas uma questão de políticas públicas, mas também de transformação cultural. É preciso questionar os nossos próprios preconceitos, desconstruir os estereótipos e promover a valorização da diversidade. É preciso que cada um de nós se torne um agente de mudança, combatendo o racismo em todas as suas formas e construindo um Brasil mais justo e igualitário.
O Dia da Consciência Negra, portanto, deve ser um ponto de partida, e não um ponto de chegada. Que ele nos inspire a agir, a reivindicar e a transformar a nossa realidade. Que ele nos lembre que a verdadeira celebração da consciência negra só será possível quando a igualdade racial deixar de ser uma promessa e se tornar, finalmente, uma realidade. Que a antropologia continue a ser a voz que ecoa, incansável, na busca por essa justiça social.
