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A Qualidade que Renasce: Quando a Terra Reclama sua Dignidade

Publicada em: 09/11/2025 08:12 -

 

No Dia Mundial da Qualidade, aprendemos que qualidade não é métrica de fábrica, mas pulsão vital da existência. A verdadeira qualidade é aquilo que resiste ao tempo sem corroer a vida. E aquilo que corrói a vida — por mais lucrativo que seja — não é qualidade, é câncer econômico disfarçado de progresso.

 

O agronegócio, tal qual o conhecemos, é o mais eloquente exemplo dessa necropolítica produtiva. Dados irrefutáveis apontam que ele se consolidou no Brasil através de uma "revolução verde" que, em vez de fertilizar o futuro, institucionalizou a destruição: supressão de terras para monocultura de commodities, emissão desenfreada de gases de efeito estufa, concentração fundiária que exclui o povo da própria terra. Mas sua maior engenharia não foi no campo — foi na mente.

 

A Frente Parlamentar da Agropecuária, assessorada por gigantes como Bayer, JBS, Syngenta, Cargill e bancos como Itaú e Santander, perfez uma máquina de ilusões. Seus anúncios — 48% deles contendo desinformação ou greenwashing — não vendem alimentos; vendem uma teologia do destruidor como salvador. "Agro é tech, agro é pop, agro é tudo" — menos o que realmente é: agro é exaustão, agro é veneno, agro é o passado se recusando a morrer.

 

Essa estratégia, porém, carrega em seu DNA o código da autodestruição. Primeiro, porque a física não negocia: o solo não mente. Cada hectare esgotado por agrotóxicos exige dez gerações para recuperar sua microbiota. Cada quilo de soja transgênico nutrido de glifosato carrega em si não apenas proteína, mas a dívida de um ecossistema em colapso. O greenwashing é o último suspiro de um modelo que já perdeu a guerra da realidade — só não perdeu ainda a batalha da narrativa.

 

Segundo, porque a biologia é democrata. As "invasões de terras" que eles criminalizam são na verdade a Terra reclamando seus súditos: povos originários que demonstram, há milênios, que produzir sem destruir não é utopia — é técnica. Enquanto a FPA promove o "Marco Temporal" para expulsar indígenas e expandir fronteiras do lucro, a floresta responte com seu próprio tempo: o das árvores que demoram séculos para nascer, das águas que precisam de milênios para filtrar. Nenhum capital consegue comprar a paciência geológica.

 

Terceiro, porque a economia está mudando de gênese. O fato de 38 associações e 22 gigantes corporativos precisarem financiar um instituto para "pensar a agropecuária" revela a falência intelectual do modelo. Quando a verdade é robusta, não precisa de exército de relações públicas. A qualidade genuína é autovalidativa; o greenwashing é autofágico. Cada real gasto em propaganda para negar o aquecimento global, para afirmar que Ferrogrão não destrói, para dizer que pecuária é sustentável — enquanto a Amazônia queima — é um real que não foi investido em regenerar o que se consome.

 

A prova de que esse modelo sumirá está na matemática da insustentabilidade. O agronegócio atual é um sistema termodinamicamente impossível: consome mais energia (fóssil) do que produz (calorias), degrada mais capital natural (água, solo, biodiversidade) do que gera capital financeiro, e exige mais propaganda (48% de desinformação) do que evidência científica. Um sistema que precisa mentir sobre sua própria existência está em estágio avançado de obsolescência histórica.

 

Mas não se trata de uma morte — trata-se de uma metamorfose forçada. O futuro já chegou com novas métricas de qualidade: alimentos com pegada ecológica negativa, agricultura que regenera solos, economias que valorizam o invisível (fungos micorrízicos, polinizadores, águas subterrâneas). Já existem fazendas brasileiras que produzem mais alimentos por hectare que o monocultivo, usando agroecologia. Já existem investidores desertando do agronegócio tradicional, pressionados por relatórios de risco climático. Já existem consumidores que leem além do rótulo "sustentável" e exigem rastreabilidade real.

 

O Dia Mundial da Qualidade nos ensina que a qualidade é sempre uma escolha ética antes de ser técnica. E a ética do futuro é simples: o que não pode perdurar, não deve prosperar. As práticas anti-ecológicas não serão banidas por decreto — serão extintas por inércia de um sistema que as superou. Como a máquina a vapor, como o amianto, como a gasolina com chumbo, o agronegócio predatório será lembrado como uma das últimas grandes alucinações coletivas: a crença de que se podia comer o capital natural e ainda assim contá-lo como lucro.

 

Quando a história for escrita pelas gerações que herdarão os solos que hoje cuidamos, o greenwashing será apenas uma nota de rodapé: "Eles tentaram vender a morte como vida, mas a Terra não comprou". E a qualidade, a verdadeira qualidade, será medida não em padrões ISO, mas em florestas reforestadas, rios ressurgidos e comunidades que nunca precisaram ser "sustentáveis" — porque sempre foram.

 

O agronegócio predatório sumirá não porque perderá a guerra, mas porque a paz já foi declarada pela natureza — e quem não se rende à lógica da vida, se rende à lógica do pó.

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