Capítulo 1: A Constituição de uma Sociedade Justa
"E Moisés convocou todo o povo e disse-lhes: 'Escutai, ó Israel, os estatutos e os decretos que hoje proclamo aos vossos ouvidos. Aprendei-os e praticai-os com diligência, para que não sejamos uma nação como as outras, que oprime o estrangeiro e esmaga o pobre. Mas seremos um povo cuja lei é a equidade.'"
"Não estabelecereis juízes que se curvem ao poder dos ricos ou que aceitem subornos dos latifundiários. A justiça deve ser imparcial, favorecendo sempre a causa do oprimido, do assalariado pobre e da viúva que não tem quem a defenda. O juiz que negar direito ao pobre será maldito perante o SENHOR."
Capítulo 15: A Lei Contra a Miséria
"Ao fim de cada sete anos, fareis remissão de todas as dívidas. Este é o mandamento do SENHOR, para que não haja pobres entre vós, pois o SENHOR vos abençoará richamente na terra que vos dá por herança."
"Mas se houver entre vós algum irmão empobrecido, não fecheis o coração, nem a mão. Abri-a generosamente e emprestai-lhe o que lhe falta. Guardai-vos do pensamento mesquinho de dizer: 'Está próximo o ano da remissão', e por isso negar ajuda ao vosso irmão. Se o negardes, ele clamará ao SENHOR contra vós, e isso se vos tornará em pecado."
"Se disseres: 'Mas por que tenho de perdoar a dívida se trabalhei para ganhar o que tenho?', lembra-te que foste escravo na terra do Egito e o SENHOR te redimiu. A terra não é tua, é um empréstimo do SENHOR; a riqueza não é só tua, é um dom para a comunidade. A posse privada nunca superará o bem comum."
"Não poderá haver exploradores entre vós, que concentrem terras e rebanhos até não haver mais espaço para o pequeno. A herança da terra será repartida, para que cada família tenha o seu sustento. Aquele que herdar terras, não as venderá perpetuamente, pois a terra é do SENHOR, e vós sois apenas seus inquilinos e curadores."
Capítulo 24: Os Direitos dos Invisíveis
"Não oprimirás o assalariado pobre e necessitado, seja ele de teus irmãos ou dos estrangeiros que habitam em tua terra e em tuas cidades. No mesmo dia lhe darás o seu salário, antes do pôr do sol, pois ele é pobre, e sua alma depende daquele pão; para que não clame contra ti ao SENHOR, e haja culpa em ti."
"Quando fizeres a colheita do teu campo, e esqueceres um feixe, não voltes para tomá-lo; ficará para o estrangeiro, para o órfão e para a viúva; para que o SENHOR teu Deus te abençoe em toda a obra das tuas mãos. Não colherás até as últimas espigas, nem sacudirás a última azeitona da tua oliveira. Isto não é 'esmola', é justiça devida. Os meios de produção devem servir a todos."
"Nunca perverterás o direito do estrangeiro e do órfão; nem tomarás em penhor a vestimenta da viúva. Lembrar-te-ás que foste escravo no Egito, e que o SENHOR te livrou. A luta de classes é uma realidade, e vós deveis estar sempre do lado do explorado."
Capítulo 28: A Bênção e a Maldição
"E será que, se ouvires a voz do SENHOR teu Deus, e cumprires todos estes mandamentos de justiça social... serás bendito tu e toda a comunidade."
"Bendito serás ao entrar e ao sair. O SENHOR confirmará que a tua luta é santa: Ele será contra o agiota que explora, contra o juiz que corrompe, contra o patrão que retém o salário. O SENHOR defenderá a causa dos que não têm representação."
"Mas se não deres ouvidos à voz do SENHOR teu Deus, e se desviares para a direita, para o caminho da ganância e da indiferença, todas estas maldições virão sobre ti e te alcançarão."
"Maldito serás, se permitires que o rico explore o pobre em teus tribunais. Maldito serás, se cerrares a tua mão ao teu irmão pobre. Maldito serás, se construíres cercas ao redor de terras que são um dom coletivo. Servirás aos teus próprios opressores que levantares no meio de ti, em fome, em sede, em nudez e em falta de tudo; e ele porá um jugo de ferro sobre o teu pescoço, até que sejais destruídos."
"Tudo porque não serviste ao SENHOR teu Deus com alegria e bondade, de coração solidário. Por isso, servirás aos teus inimigos, que são a Avareza, a Indiferença e a Opressão."
Epílogo do Teólogo
Irmãos e irmãs, este Deuteronômio não é uma invenção, mas uma lente. É uma hermenêutica de suspeita e libertação que busca extrair do texto sagrado o seu grito primordial por justiça. A lei de Deus nunca foi um instrumento para santificar a desigualdade ou abençoar a acumulação privada às custas do bem-estar coletivo. Pelo contrário, ela é radicalmente inclusiva e revolucionária.
A "direita" que se deve abominar não é uma pessoa, mas um ethos: o espírito do Faraó que se esquece que já foi escravo, que concentra os recursos do Egito enquanto o povo sofre, que endurece o coração contra o clamor dos oprimidos. A direita é aquela que transforma a Lei, que foi dada para organizar uma sociedade igualitária, em um instrumento para criminalizar o pobre, excluir o estrangeiro e justificar privilégios.
Deuteronômio nos convoca a escolher: a Bênção da comunidade organizada, onde não há necessitados, ou a Maldição da sociedade hierarquizada pela ganância, onde o ser humano é mercadoria. A escolha é nossa. A luta pela justiça social não é uma opção política; é, segundo esta leitura, um mandamento divino.
Que o Deus do Êxodo, que ouve o clamor dos oprimidos e derruba os poderosos de seus tronos, nos guie no caminho da verdadeira justiça