A persistência e a resistência à razão observadas no bolsonarismo podem ser compreendidas à luz de como certas estratégias de comunicação ativam circuitos cerebrais primários, frequentemente sobrepondo-se aos processos críticos e racionais. Não se trata de patologizar apoiadores, mas de entender como narrativas específicas exploram a neurobiologia humana.
1. O Sequestro da Amígdala e a Anulação do Pensamento Crítico
O cérebro humano possui um mecanismo de sobrevivência ancestral: diante de uma ameaça percebida, o sistema límbico (com a amígdala como peça central) assume o comando, preparando o corpo para uma reação de luta ou fuga. Simultaneamente, funções cognitivas superiores localizadas no córtex pré-frontal – como julgamento crítico, ponderação e regulação emocional – são temporariamente inibidas.
A retórica bolsonarista frequentemente empregou estratégias baseadas no medo ("o comunismo vai tomar suas propriedades", "as urnas eletrônicas são fraudulentas"), na ameaça constante ("nós contra eles") e no perigo iminente ("o Brasil à beira do caos"). Estudos de imagem cerebral mostram que essa exposição contínua a mensagens de alta carga emocional e ameaçadora mantém a amígdala em estado de hiperatividade e suprime a atividade do córtex pré-frontal. O resultado é um estado neurobiológico propício à aceitação de soluções simples e ordens autoritárias, onde a capacidade de verificar fatos ou ponderar nuances fica drasticamente reduzida.
2. O Circuito de Recompensa e o Viés de Confirmação
A adesão a um grupo coeso é neurologicamente recompensadora. Quando um indivíduo ouve uma informação que valida sua identidade grupal e suas crenças mais profundas (ex.: "somos os patriotas", "só nós defendemos a família"), o núcleo accumbens – centro de recompensa do cérebro – libera dopamina, gerando uma sensação de prazer, pertencimento e certeza.
Esse mecanismo cria um ciclo de autorreforço: consumir informações do próprio grupo (mesmo as falsas) é gratificante; questioná-las ou buscar fontes opostas gera desconforto. Pesquisas comprovam que a atividade neural no sistema de recompensa é mais intensa ao receber informações que confirmam convicções prévias. Isso explica a adesão a "realidades paralelas": as crenças não são mantidas apesar de serem falsas, mas porque sentir que são verdadeiras é neurologicamente prazeroso e reafirmador da identidade.
3. A Dissonância Cognitiva e a Rejeição Física à Verdade
Confrontar um adepto com fatos que contradizem suas crenças centrais não é um exercício intelectual, mas um desafio neurobiológico. Quando a informação factual entra em conflito com a identidade do grupo, o córtex cingulado anterior (responsável por detectar erros e conflitos) emite um sinal de alerta.
Para aliviar o desconforto gerado por esse alerta (a dissonância cognitiva), o cérebro não busca a verdade, mas o alívio imediato. Ele pode ativar a ínsula, região associada ao nojo e à aversão física, fazendo com que a informação factual seja sentida como repulsiva. A reação não é de reflexão, mas de repúdio automático. Portanto, apresentar dados sobre mortes na pandemia ou corrupção não é recebido como um argumento, mas como um ataque à identidade do grupo, desencadeando uma resposta defensiva e emocional.
4. O Estresse Crônico como Terreno Fértil para o Autoritarismo
O contexto brasileiro de crises econômica, sanitária e política elevou os níveis de cortisol (hormônio do estresse) na população. O estresse crônico é um combustível para movimentos populistas, pois altera a função cerebral:
· Hiper-sensibiliza a amígdala, fazendo com que as pessoas percebam mais ameaças no ambiente.
· Enfraquece o córtex pré-frontal, reduzindo a capacidade de planejamento a longo prazo, empatia e regulação de impulsos.
· Prejudica o hipocampo, afetando a memória contextual e facilitando o esquecimento de promessas não cumpridas.
Nesse estado de ansiedade coletiva, a narrativa bolsonarista ofereceu uma solução simplista: um inimigo claro para culpar (o "outro") e a promessa de um líder forte que restauraria a ordem e o controle. O cérebro, exausto pelo estresse, busca alívio e certeza, tornando-se mais vulnerável a discursos autoritários que dispensam complexidade.
Conclusão: Desafiando a Lógica Neural do Populismo
Desconstruir o bolsonarismo exige mais do que checagem de fatos. Exige compreender que se está lutando contra uma estratégia eficaz de comunicação que explora vulnerabilidades inerentes ao cérebro humano.
Desconstruir a resiliência significa:
· Reduzir a percepção de ameaça: evitar enquadrar o debate como uma guerra existencial, o que só alimenta a ativação da amígdala.
· Criar pontes de identidade: encontrar valores comuns que permitam que a informação seja recebida sem ser interpretada como um ataque tribal.
· Promover ambientes seguros para a reflexão: facilitar o reengajamento do córtex pré-frontal por meio do diálogo empático e não confrontacional.
O futuro da democracia depende da capacidade de criar narrativas que sejam tão neurologicamente eficazes quanto as do populismo, mas que, em vez de apelar para o medo e o tribalismo, ativem nossos circuitos de razão, cooperação e esperança.