A Constelação Familiar como Caminho de Restauração e Autodeterminação para os Povos Indígenas em Dourados – MS (por Tácito Loureiro)
Publicada em: 22/05/2025 10:30 - Artigos
Na vastidão do sudoeste sul-mato-grossense, onde o cerrado respira sob o sol quente e a história se entrelaça com a memória ancestral, encontramos Dourados – uma cidade que, além de seu dinamismo econômico, abriga um legado indígena profundo. Aí, no encontro entre o urbano e o ancestral, surge uma oportunidade poderosa: a aplicação da Constelação Familiar, metodologia sistêmica criada por Bert Hellinger, como ferramenta transformadora para os povos indígenas que buscam reencontrar sua identidade, curar traumas históricos e construir um futuro digno.
A Constelação Familiar não é apenas uma técnica terapêutica; ela é um processo de reconexão com a própria raiz, com as gerações passadas e com o sentido coletivo da vida. Para os povos indígenas, cujas culturas são profundamente baseadas na relação sagrada com a família ampliada — que inclui a comunidade, a terra, os animais e os espíritos —, essa metodologia pode ser uma ponte entre o saber ancestral e as demandas do presente.
Ao longo dos séculos, os povos indígenas sofreram interrupções brutais em suas tradições, línguas e sistemas de parentesco. Muitos vivem hoje em territórios fraturados, em contato com realidades urbanas que desafiam seus valores e formas de existência. Nesse contexto, a Constelação Familiar oferece um espaço seguro para que eles possam:
1. Reconhecer e integrar traumas históricos Os impactos do genocídio cultural, da colonização, da expulsão de suas terras e da imposição de estruturas alheias podem gerar feridas silenciosas nas gerações. Através das constelações, esses traumas podem ser visualizados simbolicamente, permitindo que os participantes compreendam e aceitem o que foi vivido, sem julgamento, mas com respeito à ordem sistêmica.
2. Restabelecer a conexão com a ancestralidade Na constelação, os representantes assumem lugares simbólicos de ancestrais, líderes espirituais, avós ou até mesmo elementos da natureza. Isso permite que os membros da comunidade indígena reconectem-se com aquilo que foi perdido ou marginalizado, trazendo de volta a força ancestral para o aqui e agora.
3. Promover a autodeterminação e a liderança coletiva Ao verificarem as dinâmicas familiares e sociais que ainda limitam sua autonomia, os povos indígenas podem repensar seus papéis, buscar equilíbrio nos relacionamentos internos e fortalecer a liderança baseada na sabedoria coletiva. A constelação ajuda a revelar quem está “deslocado” dentro do sistema e como restabelecer harmonia.
4. Fortalecer a saúde mental e emocional Em contextos de resistência e sobrevivência, muitos indígenas carregam pesados fardos emocionais. A constelação oferece um caminho de cura, não apenas individual, mas coletiva, permitindo que o grupo respire juntos, sinta-se visto e honrado, e recupere a confiança em si mesmo e em seu destino.
5. Construir pontes com a sociedade não-indígena Quando aplicada em espaços interculturais, a constelação familiar também pode servir como instrumento de diálogo e entendimento mútuo. Ela ajuda a desconstruir preconceitos, revelar padrões de exclusão e promover uma convivência mais justa e harmônica entre povos diferentes.
Em Dourados, onde diversas etnias indígenas convivem com a realidade urbana e rural, a introdução consciente e respeitosa da Constelação Familiar pode se tornar parte de um movimento maior de autovalorização e ressurgimento. Não se trata de impor uma visão externa, mas de adaptar uma prática universal ao contexto específico, sempre com a participação ativa e o consentimento das próprias comunidades.
Assim, a Constelação Familiar se revela como uma forma poderosa de restaurar o equilíbrio interno e externo dos povos indígenas, ajudando-os a encontrar novamente a rota que lhes pertence, enquanto contribui para a construção de uma sociedade mais equitativa e sensível às diferenças.
É tempo de olhar para baixo e escutar a voz da terra, para trás e reconhecer a história, para frente e projetar um futuro onde a ancestralidade e a modernidade dançam juntas, em paz e em harmonia. E nesse movimento, a Constelação Familiar pode ser a estrela guia que ilumina o caminho.