Mimesis e a Fragilidade Ontológica: Os Bebês Reborn e a Crise do Simulacro Existencial (por Tácito Loureiro)
Publicada em: 21/05/2025 09:37 - Famosos
A humanidade às vezes dança no abismo entre o real e o imaginário, entre a carne e o símbolo. Os bebês reborn — bonecas hiper-realistas, meticulosamente fabricadas para mimetizar a aparência e o tato de um recém-nascido — emergem não como meros objetos de coleção, mas como sintomas de uma crise ontológica profunda. São espelhos que refletem nossa crescente incapacidade de habitar o mundo na complexidade orgânica, preferindo, em vez disso, a segurança asséptica do simulacro.
I. A Sede da Mimesis Perfeita: Quando o Simbólico Devora o Real
Desde Aristóteles, compreendemos que o homem é o animal mimético por excelência. Contudo, a mimesis contemporânea transcende a arte ou o ritual; tornou-se uma compulsão tecnológica. Os bebês reborn encapsulam esse impulso: são tentativas de recriar a vida não para celebrá-la, mas para domá-la. Cada veia pintada à mão, cada respiração mecânica programada, é um passo em direção à substituição do imprevisível pelo controlável. Aqui, o perigo não está na existência do objeto, mas na sublimação do desejo que ele representa. Quando o símbolo (a boneca) é investido de afeto equivalente ao direcionado a um ser humano, borra-se a fronteira entre o que é vivo e o que é matéria inerte. A humanidade, assim, começa a trocar a vulnerabilidade do real pela tirania do artificial — um pacto fáustico que nos aliena da essência do que é ser.
II. A Ontologia do Vazio: O Rosto sem o Outro
O bebê reborn é um outro sem alteridade. Não chora, não demanda, não surpreende. Sua existência é um eco vazio de responsabilidade ética, pois nele não há reciprocidade — apenas projeção. Levinas nos lembra que o rosto do Outro nos convoca à responsabilidade infinita. Mas qual ética surge diante de um rosto de silicone, incapaz de sofrer ou de nos interpelar? A relação com o reborn é um monólogo disfarçado de diálogo, um narcisismo existencial onde o "cuidado" é apenas teatro. Esse fenômeno sinaliza uma sociedade que, esgotada pelo peso da alteridade, prefere o amor seguro ao amor arriscado — e, nesse processo, esvazia-se de humanidade.
III. A Saúde da Humanidade: Quando o Cuidado se Torna Patologia
Há quem defenda que os reborns são terapêuticos: auxiliam mães enlutadas, idosos solitários ou pessoas que desejam exercitar a parentalidade. Não se trata de condenar esses usos, mas de questionar o que normaliza sua necessidade. Uma sociedade que produz tantos indivíduos desesperados por substitutos para o amor humano é uma sociedade doente. O risco não está no objeto, mas na naturalização da substituição. Quando o cuidado com o artificial se torna socialmente aceito como equivalente ao cuidado com o vivo, caminhamos para uma cultura que dessensibiliza o instinto ético primordial: a proteção da vida frágil e real.
IV. O Horizonte do Pós-Humano: A Ascensão do Inautêntico
Heidegger alertou sobre o perigo da técnica desenraizar o homem de seu ser-no-mundo. Os reborns são frutos dessa lógica: são entes que nos permitem brincar de ser humanos sem os riscos da humanidade. Mas ali onde a técnica triunfa sobre a autenticidade, instala-se um vazio metafísico. O perigo último não é que as pessoas amem bonecos, mas que, ao fazê-lo, percam a capacidade de reconhecer — e de se comover — com a sacralidade imperfeita de um bebê de carne e osso. A saúde da humanidade depende de nossa habilidade de preservar o frágil equilíbrio entre o simbólico e o real. Quando um substitui o outro, caminhamos não para a evolução, mas para a entropia existencial.
Conclusão: A Reencarnação do Vazio
Os bebês reborn são mais que curiosidades perturbadoras; são espelhos de uma época que prefere a réplica à realidade, o controle à transcendência. Seu risco não é individual, mas coletivo: cada boneca é um monumento à nossa tentação de abandonar a complexidade do humano em troca da simplicidade do artifício. A pergunta que resta não é "por que eles existem?", mas "o que nos tornamos para que precisemos deles?". A resposta, talvez, esteja no silêncio inquietante de um berço ocupado não por um ser, mas por um fantasma.