O Silêncio da Onça Enjaulada e o Grito da Soja transgênica
Por: Onildo Lopes (inspirado em Moacir Scliar)
O Pantanal, outrora sinfonia de
águas e vida, ecoa agora um silêncio lúgubre. Não é o silêncio da contemplação,
mas o da ausência, o do espaço usurpado. Jorge Avalo, homem da lida pantaneira,
tombou sob as garras da fera. A onça, outrora espírito livre a vagar pelas
várzeas alagadas, jaz agora prisioneira, um espectro de sua antiga majestade.
Duas vidas ceifadas, unidas por um fio invisível de tragédia anunciada.
Seus olhos, antes faróis dourados
a perscrutar a mata, fitam agora as grades com uma opacidade entristecida.
Imagino o eco fantasmagórico de seus rugidos noturnos a se chocar contra o
concreto da jaula — saudade lancinante da vastidão onde cada passo era uma
declaração de liberdade. Aquele corpo musculoso, talhado para a caça e para a
dança silenciosa entre as árvores, sente agora o peso inerte do confinamento.
Mas a culpa, meus amigos, não
reside unicamente nas garras da onça, ser que age por instinto em um mundo
violentamente alterado. A culpa espreita nos vastos campos verdejantes que
avançam como onda implacável sobre a planície alagável. A culpa veste a cor da
soja que se estende até o horizonte, sufocando a diversidade, afugentando
presas naturais, transformando o santuário da vida em deserto verde de
monocultura.
Onde antes havia o vaivém das
capivaras, o mergulho ágil dos jacarés, o voo multicolorido das araras, hoje se
ergue o monótono exército da Glycine max, sedenta por espaço, insaciável por
nutrientes, indiferente ao equilíbrio que sustenta a teia da vida pantaneira.
E, atrás da soja, a sombra das pastagens: engolem os últimos refúgios,
fragmentam corredores ecológicos, empurram a fauna nativa para um confronto
desesperado com o humano.
Jorge Avalo, talvez guardião
silencioso daquele mundo em extinção, tornou-se vítima fatal desse choque de
realidades. A onça, acuada pela escassez, desorientada pela perda de seu
território, agiu por instinto de sobrevivência desesperado, ceifando uma vida
humana em encontro trágico e inevitável.
E agora, qual o destino? A onça
pagará com prisão perpétua por um crime urdido pela ganância humana. Será
exibida como troféu de nossa incapacidade de coexistir, lembrete sombrio das
consequências de nossa voracidade.
O Pantanal chora em silêncio.
Suas águas, outrora cristalinas, carregam agora a mácula da destruição. O grito
da onça enjaulada mistura-se ao sussurro melancólico das árvores derrubadas, ao
lamento dos rios assoreados. E, no cenário de devastação, a soja verde avança —
indiferente à tragédia que semeia, monumento à busca cega por lucro a qualquer custo.
Que a morte de Jorge Avalo e a
prisão da onça sirvam de alerta. Que seus silêncios nos ensinem a ouvir o grito
sufocado do Pantanal antes que ele se torne pálida lembrança em meio aos vastos
campos de monocultura. A liberdade da onça e a vida de Jorge foram ceifadas
pela mesma foice: a de nossa insensibilidade diante da fragilidade da natureza.
E a conta, meus amigos, essa conta será cobrada — mais cedo ou mais tarde — de
todos nós.