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O Silêncio da Onça Enjaulada e o Grito da Soja transgênica

Publicada em: 26/04/2025 10:21 - Noticia ms

O Silêncio da Onça Enjaulada e o Grito da Soja transgênica

Por: Onildo Lopes (inspirado em Moacir Scliar)

 

O Pantanal, outrora sinfonia de águas e vida, ecoa agora um silêncio lúgubre. Não é o silêncio da contemplação, mas o da ausência, o do espaço usurpado. Jorge Avalo, homem da lida pantaneira, tombou sob as garras da fera. A onça, outrora espírito livre a vagar pelas várzeas alagadas, jaz agora prisioneira, um espectro de sua antiga majestade. Duas vidas ceifadas, unidas por um fio invisível de tragédia anunciada.

 

Seus olhos, antes faróis dourados a perscrutar a mata, fitam agora as grades com uma opacidade entristecida. Imagino o eco fantasmagórico de seus rugidos noturnos a se chocar contra o concreto da jaula — saudade lancinante da vastidão onde cada passo era uma declaração de liberdade. Aquele corpo musculoso, talhado para a caça e para a dança silenciosa entre as árvores, sente agora o peso inerte do confinamento.

 

Mas a culpa, meus amigos, não reside unicamente nas garras da onça, ser que age por instinto em um mundo violentamente alterado. A culpa espreita nos vastos campos verdejantes que avançam como onda implacável sobre a planície alagável. A culpa veste a cor da soja que se estende até o horizonte, sufocando a diversidade, afugentando presas naturais, transformando o santuário da vida em deserto verde de monocultura.

 

Onde antes havia o vaivém das capivaras, o mergulho ágil dos jacarés, o voo multicolorido das araras, hoje se ergue o monótono exército da Glycine max, sedenta por espaço, insaciável por nutrientes, indiferente ao equilíbrio que sustenta a teia da vida pantaneira. E, atrás da soja, a sombra das pastagens: engolem os últimos refúgios, fragmentam corredores ecológicos, empurram a fauna nativa para um confronto desesperado com o humano.

 

Jorge Avalo, talvez guardião silencioso daquele mundo em extinção, tornou-se vítima fatal desse choque de realidades. A onça, acuada pela escassez, desorientada pela perda de seu território, agiu por instinto de sobrevivência desesperado, ceifando uma vida humana em encontro trágico e inevitável.

 

E agora, qual o destino? A onça pagará com prisão perpétua por um crime urdido pela ganância humana. Será exibida como troféu de nossa incapacidade de coexistir, lembrete sombrio das consequências de nossa voracidade.

 

O Pantanal chora em silêncio. Suas águas, outrora cristalinas, carregam agora a mácula da destruição. O grito da onça enjaulada mistura-se ao sussurro melancólico das árvores derrubadas, ao lamento dos rios assoreados. E, no cenário de devastação, a soja verde avança — indiferente à tragédia que semeia, monumento à busca cega por lucro a qualquer custo.

 

Que a morte de Jorge Avalo e a prisão da onça sirvam de alerta. Que seus silêncios nos ensinem a ouvir o grito sufocado do Pantanal antes que ele se torne pálida lembrança em meio aos vastos campos de monocultura. A liberdade da onça e a vida de Jorge foram ceifadas pela mesma foice: a de nossa insensibilidade diante da fragilidade da natureza. E a conta, meus amigos, essa conta será cobrada — mais cedo ou mais tarde — de todos nós.

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