Sócrates: O Doutor da Bola e o Revolucionário do Campo
Publicada em: 13/03/2025 08:00 - Famosos
Nascido em Belém do Pará em 1954, Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira não foi apenas um jogador de futebol. Ele foi um intelectual com chuteiras, um filósofo que pensava enquanto corria, um revolucionário que usava o gramado como palco para suas ideias e uma prova viva de que o esporte pode ser muito mais do que entretenimento — pode ser um grito de liberdade.
### O Futebol como Metáfora da Sociedade
Sócrates cresceu em Ribeirão Preto, uma cidade marcada pela desigualdade social e pelas lutas camponesas. Desde cedo, aprendeu que o Brasil era um país dividido entre quem tinha privilégios e quem carregava o peso da injustiça. Enquanto estudava medicina na Universidade de São Paulo (USP), ele começou a ver o futebol como uma metáfora perfeita para o Brasil: jogadores negros e pobres eram os protagonistas nos campos, mas seus corpos eram explorados por cartolas ricos e autoritários. "O futebol é o espelho da sociedade brasileira", dizia. "Nele, a beleza convive com a opressão."
Como jogador, Sócrates foi um visionário. Não apenas por sua habilidade técnica ou sua elegância no passe, mas porque entendia o jogo como um espaço coletivo, onde cada jogador depende do outro. Ele rejeitava a ideia de que o sucesso fosse individual; para ele, o gol era fruto de um trabalho conjunto, de uma harmonia construída no calor das disputas. Essa visão não era apenas esportiva, mas profundamente política: refletia seu compromisso com o coletivo e sua crítica ao egoísmo exacerbado.
### A Democracia Corinthiana: Um Grito de Liberdade
No Corinthians dos anos 1980, Sócrates liderou uma das experiências mais radicais e subversivas da história do esporte mundial: a Democracia Corinthiana. Inspirado pelos movimentos democráticos que lutavam contra a ditadura militar, ele transformou o clube em um laboratório político. Jogadores votavam sobre decisões importantes, desde contratações até estratégias de jogo. A frase que guiava o projeto era simples, mas poderosa: "Todos têm voz, todos têm vez."
Para Sócrates, aquilo não era apenas um modelo de gestão esportiva, mas uma declaração política. Era uma maneira de dizer ao Brasil que outra forma de organização era possível, que hierarquias autoritárias podiam ser questionadas e que as pessoas tinham o direito de decidir sobre seus próprios destinos. "Se podemos decidir como jogar futebol, por que não podemos decidir como governar nosso país?", perguntava.
A Democracia Corinthiana foi mais do que um experimento esportivo; foi uma bandeira erguida contra o autoritarismo. Ela inspirou outros times, artistas, sindicalistas e movimentos sociais. Sócrates sabia que o futebol, como paixão nacional, tinha o poder de mobilizar massas e de servir como plataforma para ideias transformadoras. E ele usou esse poder sem medo.
### Um Cidadão Acima de um Ídolo
Fora dos campos, Sócrates nunca se contentou em ser apenas um ídolo. Ele era um médico, um pensador, um ativista. Durante a ditadura militar, participou de manifestações, escreveu artigos críticos e usou sua fama para denunciar as violações de direitos humanos. Em uma época em que muitos preferiam o silêncio, ele escolheu falar alto. "Não sou político, sou cidadão", declarava. Mas sua cidadania ia além do voto; ela era ativa, engajada, incômoda.
Enquanto outros jogadores se distanciavam da política, Sócrates mergulhou nela. Chegou a cogitar uma candidatura à presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores (PT), mas desistiu ao perceber que seu papel era diferente: ele queria ser uma ponte entre o povo e as ideias, não um político tradicional. Para ele, a verdadeira mudança vinha das ruas, das conversas, das organizações populares.
### A Crítica ao Capitalismo e à Exploração no Esporte
Sócrates também foi um crítico ferrenho do capitalismo selvagem que dominava o futebol. Via com tristeza como os jogadores eram tratados como mercadorias, vendidos e comprados sem consideração por suas vidas ou sonhos. Ele mesmo se recusou a aceitar salários absurdos ou a se tornar uma máquina de marketing. Preferia beber uma cerveja com os amigos, fumar seus cigarros e debater filosofia a aparecer em comerciais de luxo.
"O futebol virou um negócio", lamentava. "Mas ele nasceu nas ruas, nas peladas, nos terreiros. É do povo, e deve voltar para o povo." Essa visão crítica o levou a questionar não apenas o sistema esportivo, mas também o próprio sistema econômico que o sustentava. Ele enxergava no capitalismo um mecanismo de exclusão, onde poucos acumulavam riquezas às custas do sofrimento de muitos.
### O Legado de um Sonhador Realista
Sócrates morreu em 2011, mas seu legado vive nas canções dos estádios, nas discussões políticas e nas lutas por justiça social. Ele provou que é possível ser um gênio dentro e fora de campo, que o futebol pode ser uma ferramenta de transformação e que a verdadeira grandeza está em usar o talento para algo maior do que si mesmo.
Hoje, quando pensamos em Sócrates, lembramos não apenas de seus gols memoráveis ou de sua classe inigualável. Lembramos de um homem que acreditava no poder das pessoas, que lutava por igualdade e que via no esporte uma oportunidade de construir um mundo melhor. Ele foi, acima de tudo, um sonhador realista — alguém que sabia que o futuro não vem pronto, mas que, com luta e união, ele pode ser conquistado.
Sócrates não jogava futebol; ele vivia a utopia.
E essa utopia ainda ecoa nos corações daqueles que acreditam que outra vida, assim como outro futebol, é possível.
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