Origens: A Classe Trabalhadora como Berço da Genialidade
Edson Arantes do Nascimento, conhecido como Pelé, nasceu em 1940 em Três Corações, Minas Gerais, filho de um ex-jogador de futebol e de uma lavadeira. Cresceu em Bauru, interior de São Paulo, onde a pobreza era sua companheira constante. Seu pai, Dondinho, ganhava menos que um operário braçal, e a família muitas vezes dependia de favores para sobreviver. Pelé, desde criança, aprendeu que o talento não brota em jardins privilegiados, mas nas ruas esburacadas e nas periferias esquecidas. Seu primeiro "campo" foi um terreno baldio; sua primeira bola, uma meia cheia de papel amarrada com corda. A infância de Pelé é um retrato da desigualdade brasileira: um sistema que reserva para os pobres migalhas, enquanto os ricos acumulam fortunas.
O Futebol como Revolução Silenciosa
Pelé não foi apenas um jogador; ele foi uma revolução ambulante. Em 1958, aos 17 anos, levou o Brasil ao primeiro título mundial na Suécia. Enquanto driblava europeus, Pelé driblava também o racismo estrutural de um país que, na mesma década, criminalizava a cultura negra e marginalizava os favelados. Sua genialidade, porém, não serviu apenas para entreter as massas: ela expôs a contradição de uma nação que idolatrava um corpo negro em campo, mas o discriminava fora dele. Pelé, consciente ou não, tornou-se um símbolo da resistência negra num país que ainda hoje luta contra o mito da "democracia racial".
O Atleta e o Estado: Entre a Glória e a Opressão
Nos anos 1960 e 1970, Pelé viveu sob a ditadura militar brasileira (1964–1985). Enquanto o governo torturava opositores e censurava a arte, o futebol era usado como distração. Pelé, porém, não se calou totalmente. Em 1969, durante a Copa do Mundo, ele dedicou um gol à luta pela independência de Angola, então colônia portuguesa. Foi um gesto sutil, mas subversivo, num contexto em que até o esporte era vigiado. Anos depois, em 1970, o regime tentou cooptá-lo, oferecendo-lhe uma "boca-livre" no Senado. Pelé recusou. Preferiu o silêncio estratégico à cumplicidade com a opressão.
O Legado: Pelé como Metáfora da Luta de Classes
Pelé nunca se declarou socialista, mas sua vida é uma alegoria da luta de classes. Enquanto clubes e federações lucravam milhões com seu nome, ele próprio, após pendurar as chuteiras, enfrentou dificuldades financeiras, vítimas de contratos injustos e da exploração do atleta negro. Sua história desnuda a hipocrisia do capitalismo: celebra-se o "rei" enquanto se ignora o homem. Hoje, quando o futebol se tornou um negócio bilionário, onde jovens negros são mercadorias e estádios são construídos às custas de trabalhadores explorados, Pelé serve de alerta: o esporte, sem justiça social, é apenas um espelho da desigualdade.
Pelé e a Esquerda: Chamado à Ação
Ser fã de Pelé não é apenas admirar gols; é reconhecer que seu brilho emergiu de um sistema que sufoca milhões. É entender que, para cada Pelé, existem milhares de meninos negros e pobres que nunca terão chance de mostrar seu talento. É lutar para que o futebol deixe de ser um espetáculo de elites e se torne uma ferramenta de emancipação. Pelé, o rei, não precisa de hagiografias. Precisa de justiça. E justiça, como ele mesmo provou, só se conquista com luta.
Conclusão: O Verdadeiro Gol de Placa
Pelé não foi um santo, nem um revolucionário. Foi um homem que, mesmo cercado por limites, redefiniu o possível. Sua maior lição, porém, não está nos campos: está nas ruas, nas escolas públicas, nas periferias que ele nunca deixou de visitar. Para os fãs que o amam, o desafio é claro: transformar a admiração por um ídolo em compromisso com os que ele representou. Pelé é do povo. E o povo, como dizia o poeta, não precisa de reis. Precisa de direitos.
Assim, ser de esquerda é honrar Pelé não apenas como atleta, mas como símbolo de todas as lutas que ele, mesmo sem palavras, encarnou.⚽✊
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