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Santo Agostinho e as Raízes Comunitárias do Amor: Uma Leitura Agostiniana em Diálogo com o Comunismo

Publicada em: 14/02/2025 16:30 - Famosos

### Introdução: A Busca pela Justiça e a Comunhão Perfeita

Santo Agostinho de Hipona (354–430 d.C.), um dos maiores teólogos da história cristã, é amplamente conhecido por sua obra monumental A Cidade de Deus, bem como por suas reflexões sobre o pecado, a graça e a natureza humana. Sua teologia é profundamente enraizada na busca pela justiça divina e na restauração da comunhão perfeita entre os seres humanos e Deus. Contudo, ao explorarmos seus escritos com olhos atentos às questões sociais e econômicas, podemos identificar elementos que ressoam surpreendentemente com ideais comunistas, especialmente no que diz respeito à igualdade, à partilha de bens e à crítica ao egoísmo.

Neste texto, propomos uma releitura provocativa da obra de Agostinho para argumentar que, embora ele não fosse explicitamente um defensor do comunismo moderno, seus princípios teológicos e filosóficos contêm sementes de uma visão radicalmente comunitária e igualitária que dialoga profundamente com as aspirações do comunismo.

### 1. A Crítica ao Egoísmo e à Propriedade Privada

Agostinho era profundamente crítico do egoísmo humano, que ele via como uma consequência direta da Queda original. Em A Cidade de Deus, ele argumentava que o amor-próprio (ou amor sui) é a raiz de todas as desordens sociais e espirituais. Para ele, a busca desenfreada pelo poder, riqueza e status distorce a ordem divina e fragmenta a comunhão entre os seres humanos.

Essa crítica ao egoísmo pode ser vista como uma condenação implícita da propriedade privada quando esta é acumulada de maneira injusta ou egoísta. Agostinho escreveu: "Onde há pobreza e fome, ali há a marca da injustiça". Ele reconhecia que a concentração desigual de recursos materiais não apenas perpetua a miséria, mas também viola o princípio bíblico de que "todas as coisas são de Deus" (1 Coríntios 10:26). Essa perspectiva ecoa diretamente os princípios marxistas de que a propriedade privada aliena os seres humanos uns dos outros e impede a realização plena da comunidade humana.

### 2. A Comunidade Primitiva como Modelo Ideal

Nos comentários sobre os Atos dos Apóstolos, Agostinho louvava a comunidade primitiva descrita em Atos 2:44-45, onde "todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum". Ele via essa prática de partilha como um reflexo do amor divino e uma antecipação da Cidade de Deus, onde a justiça e a paz prevalecem plenamente.

Embora Agostinho não tenha defendido explicitamente a abolição da propriedade privada em sua época, ele claramente valorizava a ideia de que os bens materiais deveriam ser compartilhados de acordo com as necessidades de cada pessoa. Ele escreveu: "Quem guarda para si mais do que precisa rouba daqueles que não têm o suficiente". Essa afirmação é notavelmente semelhante aos princípios comunistas de redistribuição de riquezas e solidariedade coletiva.

### 3. O Amor como Força Motriz da Justiça Social

Para Agostinho, o amor (caritas) é a força motriz que deve guiar todas as ações humanas. Ele distinguia entre o amor a Deus e ao próximo (caritas) e o amor-próprio (cupiditas), que leva ao acúmulo de riquezas e ao desprezo pelos pobres. Na obra De Doctrina Christiana, ele ensinava que o verdadeiro amor envolve a disposição de sacrificar-se pelos outros e de promover o bem comum.

Essa ênfase no amor como princípio orientador da vida social é profundamente alinhada com os ideais comunistas de solidariedade e cooperação. O comunismo, em sua essência, busca construir uma sociedade onde as relações humanas sejam baseadas na reciprocidade e no cuidado mútuo, exatamente como Agostinho imaginava uma sociedade guiada pelo amor divino.

### 4. A Cidade de Deus como Antídoto à Cidade do Homem

Em A Cidade de Deus, Agostinho contrasta duas cidades: a Cidade de Deus, caracterizada pelo amor a Deus e ao próximo, e a Cidade do Homem, dominada pelo egoísmo e pela busca desenfreada por poder e riqueza. Ele via a Cidade do Homem como intrinsecamente injusta, pois seus sistemas políticos e econômicos eram moldados pelo pecado e pela exploração.

Embora Agostinho não oferecesse uma solução política específica para reformar a Cidade do Homem, sua descrição da Cidade de Deus como um lugar de igualdade, partilha e harmonia pode ser interpretada como uma crítica implícita ao capitalismo e uma inspiração para modelos socioeconômicos mais igualitários, como o comunismo. Ele sugeria que a justiça verdadeira só pode ser alcançada quando os seres humanos vivem em comunhão, compartilhando seus recursos e trabalhando juntos para o bem comum.

### 5. A Lei da Gratuidade e a Abolição do Mercado

Agostinho também refletiu sobre a natureza da dádiva e da gratuidade. Ele ensinava que tudo o que recebemos de Deus é um dom gratuito, e que devemos imitar essa generosidade em nossas relações com os outros. Para ele, o mercado, com sua lógica de troca e lucro, era uma expressão do pecado humano, pois reduzia as relações humanas a transações comerciais.

Essa crítica à lógica do mercado antecipa muitas das preocupações levantadas pelos pensadores marxistas, que veem o capitalismo como um sistema que aliena os seres humanos uns dos outros e transforma tudo em mercadoria. Agostinho, ao defender uma economia baseada na gratuidade e na partilha, aponta para uma visão alternativa que ressoa com os princípios comunistas.

### Conclusão: Agostinho como Precursor de Ideais Comunistas

Embora Santo Agostinho não fosse um comunista no sentido moderno do termo, sua teologia contém elementos que desafiam profundamente as estruturas de poder, propriedade e exploração características do capitalismo. Sua crítica ao egoísmo, sua defesa da partilha de bens, sua ênfase no amor como princípio orientador e sua visão de uma sociedade justa e igualitária nos convidam a repensar as bases de nossa organização social.

Ao reinterpretar Agostinho à luz das questões contemporâneas, podemos ver nele um precursor de ideais que, embora não formulados em termos marxistas, apontam para a mesma aspiração: uma sociedade onde todos vivam em comunhão, onde os bens sejam compartilhados segundo as necessidades, e onde o amor seja a força motriz de todas as relações humanas. Como disse Agostinho: "Ama e faz o que quiseres". Em um mundo marcado pela desigualdade e pela injustiça, talvez o verdadeiro amor seja o caminho para uma sociedade mais justa e igualitária – uma sociedade que, em certos aspectos, se aproxima do ideal comunista.

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